terça-feira, 12 de agosto de 2008

Sonata para acordar

Eu escreveria isto ontem se não tivesse sido escurecido novamente pela espécie de sono que me acompanha há algum tempo. É um sono sem lei mas também sem dor, sem cansaço mas também sem repouso. É um ciclo, acho, adivinho. Começa pela manhã, quando acordo invariavelmente com os maxilares retesados, a testa densa e braço ou perna dormente. É como se a manhã me soterrasse. Sem explosões, tremores, estrondos, deslizamentos, sem falta de ar, sem morte aparente. Estou lá, apenas, sob um véu misto de mar e céu, sol e nada. Então me levanto, meus músculos de fastio e tétano se habituam aos movimentos simples que descrevo pela casa. Ando triste. Ando pela casa. Chafurdado num chão mas quase desencarnado. Nefelibata não é a palavra. Não me ligo a crenças, símbolos, rituais, datas, sortilégios, cartas, intuições, aniversários, sinais, astros, cores, nomes. Pelo menos, quanto à metade deles, não com a intensidade necessária. Quer dizer, é aconchegante pensar: "Hoje é meu aniversário, vai ser um dia especial!", ou "Olha, meu nome significa isso e tal...". Mas faz quase um ano que foi fevereiro, que foi carnaval, e faz muito tempo que me chamo pelo meu nome. Melancolia também não é a palavra. Os melancólicos têm uma certa "volúpia de aborrecimento", e não o digo simplesmente porque sempre convém citar Machado, mas sim porque conheço casos, gentes, olhos que me confessaram como é estar assim. E a confissão é o dom de desaguar um pouco no outro. Mesmo contra a vontade, de uma ou de ambas as partes. Assim, passo as horas como se tivesse sido regado em meu silêncio. Confesso-me aos poucos a essa má companhia que sou quando sozinho. Não por falta de opção, mas na tentativa (adjetivável) de ir me convencendo novamente a mim. De que sou inocente. Ah. Adjetivos: imodesta, estranha, chata, louca. Qualquer destes se adequaria à minha tentativa. A minha tentativa que tem me acompanhado há algum tempo, e da qual começo a me tornar conteúdo. Começo a soar justamente a: uma tentiva. Algo que dará certo, em que todos acreditam, mas que, caso contrário, é facilmente substituído. Por uma tentativa que chegue aonde todos querem chegar. Aonde?

Aonde eu me quero chegar?

Enquanto não me chego, não me basto, eu espero - com a paciência dos novos amigos e dos velhos inimigos - que a noite chegue, e com ela o sono que ainda não desvendo. Porque talvez eu já tenha me desvendado e não saiba para onde olhar. Que luzes seguir.

Um comentário:

Julia disse...

li, umas tres vezes.
ainda não sei o que falar.
"gostei" alem de mongol, é pouco.